terça-feira, 6 de abril de 2010

Eu prefiro o dragão

Eu já sou muito antiga, sou de um tempo que ainda não era dado o advento das diversões atuais como os jogos eletrônicos, sou anterior mesmo a magnífica entrada da Xuxa na televisão e os novos e sensuais contos sem fada.
Sou mesmo de um tempo que criança brincava de short na rua, e menina brincava de boneca e casinha, e ouvia muitos contos com fadas e aqueles príncipes heróicos, que matavam o dragão pra salvar a linda princesa prisioneira na torre.
Coisa linda, muito linda, mas desde aqueles tempos eu já ouvia desconfiada, aquelas estórias. Achava meio metido e arrogante aquele príncipe e morria de dó do tal dragão.
Sabe que eu, já naquela época, simpatizava com o tal bichinho... grande... muito grande, faminto ...e que soltava fogo pelas ventas... sem jamais esconder suas emoções e suas verdadeiras intenções.
Achava o bichinho atrevidinhoooooooooo.
E cresci assim, meio apertada naquele vestido longo e quente de princesa, que não me parecia apropriado, e com aquela grinalda que coçava na cabeça. Mas eram assim as coisas pras meninas da minha época, devíamos crescer estudar escolher uma carreira, mas sem jamais nos desviarmos da atenção plena de descolar um príncipe num cavalo branco pra nos tirar da torre, casar, ter filhos e ser felizes para sempre.
E eu segui os moldes, mas mesmo que na ocasião eu ainda não compreendesse; nunca me esqueci do dragão.
Quanto mais me aproximava dos candidatos a príncipe, mais entediada eu me sentia, oh cara chato, oh cara fresco, vaidoso demais pra ser tolerável.
Requeria paciência, que eu definitivamente não tinha, sua performance era lamentável; se vestia e se penteava e fazia pose como quem vai ser fotografado a qualquer momento, quando não tava polindo a sua coroa, tava polindo o carro, sempre dissimulado em suas intenções, escondia o jogo, fazendo tipo de gostoso.
Chegava junto sempre verificando o território, avaliava antes de qualquer coisa se o alvo lhe traria alguma vantagem ou grandeza, aceitava todos os palpites da rainha mãe, escutava todas as opiniões de seus conselheiros amigos, era incorrigivelmente sugestionável, um saco. Avaliava, avaliava, pensava, pensava, fazia cara de paisagem como quem ta desinteressado. E eu princesa ...da-lhe investimento, da-lhe baton, da-lhe bilhetinho, da-lhe cartinha, da-lhe recadinho, da-lhe gracinha, da-lhe vestidinho novo, da-lhe “Feellings” no telefone, só pra convencer o principezinho, a simplicidade de dar um pega animal.
Mas que cara gay esse príncipe.
Fala verdade.
Ai, eu me lembrava do dragão. Cresci mesmo suspirando pelo dragão.
Bom nem preciso dizer que foi um desastre, porque quem quer viver o avesso da fabula se ferra em conflitos catastróficos, mas apesar de todos os percalços eu ainda sou mais o dragão.
O bicho, sabe o que faz, chega sem rodeios e anunciando sua entrada triunfal de longe, não faz segredo do que quer. Você sabe que ele vai te comer, nem que pra isso ele precise derrubar a torre, vai fazer sem pedir licença, sem perguntar nada pra ninguém, nem avaliar quaisquer circunstâncias, não mede esforços, passa por cima do que tiver pela frente, não há o que o detenha, o bicho solta fogo,... e lhe bota pra tremer. Te pega,... mata... e come. Cospe fogo e lhe deixa toda descabelada e marcada. Sai abanando o rabo sem deixar vestígios, é decidido, num tem frescura, ....
Mas também num deixa o telefone.....
Esse dragão é ótimo, oh bichinho corajoso, gosto muito dele sabia???
Saio toda chamuscada e um pouco machucada, demoro um pouco pra me recuperar do estrago, mas vale à pena. Oh se vale!

2 comentários:

Diego disse...

Ainda gosto de acreditar que existem príncipes que valem a pena... Poucos, mas existem! (mas um dragãozinho de vez em quando não faz mal a ninguém!)
Seu texto continua ótimo!
bjoss!

luiz gustavo disse...

Ótimos textos! [=